quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Lágrimas Secas

[ conflito introspectivo ]



Enquanto ele dorme intranquilo devido ao calor, ela fuma.
Acordada, perdida em pensamentos que variam da tristeza à melancolia.
Apenas divagações pessimistas quanto à felicidade que atinge as pessoas normais.
Embaladas por canções obscuras, ela apenas escreve, calada, perdida em suas idéias cruéis contra si mesma.
O vazio, a solidão. Nenhuma alma viva pra lhe falar palavras de conforto, ou até mesmo que depreciação.
Ela está completamente só, sem amores, amigos, alegrias e principalmente, esperanças.
Mas tudo isso é normal, compreensível e esperado. Tudo é apenas consquência direta da vida desregrada que ela sempre cultivou como rosas no jardim.
Não se abala, apenas aceita seu destino e condição, sem balbuciar qualquer tentativa desesperada de retorno. Infeliz, mesmo que momentânea e secretamente. Mas ela até gosta de se sentir assim, mesmo. Às vezes se induz a ter pensamentos sórdidos, a uma depressão contida que no fundo preenche o vazio atual.
O calor incomoda, e nem assim o sono ou o pesar conseguem lhe vencer. Obstinada, parece querer vencer os próprios limites que o corpo lhe impõe, o que só lhe dá mais certeza de que não passará dos 30.
Os cinzeiros lotados e o copo já vazio. Come um chocolate sem vontade, no intuito de se distrair, de não repensar em problemas que ela não gostaria de ter, que não há mais como resolver.
Ela já não se pronucia, já não tenta mais contornar. Não tem jeito, ela pensa, e com razão.
Mas não reclama. Se contenta em fazer críticas mentais à si mesma, se martirizando calada, muda em um silêncio que corrói sua alma e arranca lágrimas frias de seu coração à cada nota que o piano entoa.
Para, passa a mão nos cabelos presos, bagunça-os na tentativa de ajeitá-los desordenados, mas já não é possível.
Expira lentamente, como se esse fosse seu último sopro de vida. Ela já não consegue mais respirar sozinha.
Acende outro cigarro, talvez por puro hábito ou vontade de ter com o quê ocupar as mãos e consequentemente, os pensamentos que insistem em ir sempre na direção mais dolorosa, que justamente devia se desviar.
Mesmo imersa nessa visão não agradável, ela não se comove, não se compadece de si mesma, e muito menos lamenta sua sorte.
Olha pro lado, onde ele ainda dorme, e se coça na tentativa de espantar os mosquitos imaginários criados pelo calor noturno e pertubador. Se espreguiça preguiçosamente, e volta a dormir.
Em plenas 4 da manhã lá esta ela, acordada, disposta e quase inerte, absorta em levianos pensamentos cheios de fundamento, razão e culpa. Mas ainda assim segura de que fez o melhor.
Talvez apenas para si, mas ainda assim o melhor que poderia fazer. E ela não se arrepende.
Talvez por isso não se sinta infeliz em sua totalidade. Ela tem seus momentos, e isso devemos entender. Afinal, todos nós temos.
Mas não como ela. Não como os dela.
Ela coloca tanta paixão naquilo que faz que chega a ser difícil caminhar carregando sua alma. Um fardo, uma cruz pesada, mas que é levada com prazer.
Ela já pagou caro demais por tudo que conseguiu ser, por tudo que fez pra poder ser exatamente aquilo que é, perdida em sua imperfeição pra ela perfeita.
Não é justo que desista assim, de uma hora pra outra, sem exitar. Não, ela jamais o faria, mesmo que sua vida dependesse disso.
Ela percebe, para seu desespero, que os cigarros estão ficando escassos, e lamenta por isso. São eles seus companheiros diários, das jornadas insones e instrospectivas.
Companheiros sim, porque não ? Ela prefere acreditar nisso, afinal, alguém especial havia dito que fumantes sempre possuem companhia: seus próprios cigarros.
Enquanto escuta suas músicas preferidas, a fumaça de seu melhor cigarro toda conta do lugar, que combinada à pouca luz ambiente, cria todo um cenário propício à uma tragédia cômica e até dramática.
Mas tão real quanto você ou eu.
A vida dela nunca esteve tão sem propósito, tão sem compromisso. Existem apenas planos, que o sono impede, dia após dia, de serem concretizados.
E assim ela percebe a vida se esvaindo dentre suas mãos, como a fumaça de seus cigarros mentolados a se perder no vento.
Não, ela jamais se acomodaria. Ela apenas curte esse momento de pura misantropia e visão interior. Ela os goza de forma incompreensível, e assim, desprovida da maioria dos sentimentos, é que ela se sente mais humana, mais viva.
Nessas horas de pura solidão e encontro pessoal único, é que ela percebe o quanto é válido viver sendo apenas o que é, apenas o monstro que a sociedade gostaria de calar nos confins do mundo, a fim de não poder expor suas idéias tão controversas, realistas e pessoais. Ela seria capaz de contaminar o mundo com as verdades que todos nós gostaríamos de esconder debaixo do tapete, que gostaríamos de por um momento, esquecer das piores imundícies que existem dentro de nós.
Se passam as horas, cheias de sombras e verdades semi-absolutas, e ela apenas se orgulha de poder observar isso com os aspectos que somente ela consegue enxergar. E o cd se repete, mais uma vez.
E nessa trilha sonora que revela o enterro dos medos e lágrimas de tudo e todos, ela apenas sorri, um riso contido, porém sincero e único.
Ela pensa nele, se estaria dormindo, chorando ou até mesmo pensando nela com toda a intensidade que ela pensa nele. Ele pode até estar com o pensamento nela, mas com certeza não os mesmos pensamentos que ela nutre calada sobre ele.
Ela o ama, claro, e ainda o ama em demasia para que decida parar de sofrer. Não se conforma de como as coisas puderam chegar ao fim, de forma tão turbulenta, tão terrível e irreversível. Não, as coisas não acabam por aqui. É nisso que ela se agarra com forças que ela já não tem mais.
Seria pedir demais que o tempo pudesse dar uma nova chance aos dois ? Ela prefere não pronunciar tal pedido, com vergonha do próprio tempo e do próprio desejo de tê-lo de volta. Não seria justo com ele, e nem com ela. Ela só gostaria de que pudesse, ainda, ser feliz como foi um dia com ele.
Escrever não mudará tudo que ja foi dito e feito, mas ela se sente melhor em fazê-lo. Dessa forma é capaz de partilhar com suas outras 12 personalidades tudo aquilo que sente. Por isso ela se dedica de forma tão séria à esse tempo que tem consigo mesma. Por isso ela é acometida por essa depressão induzida, desejada e válida. Assim, ela pode enfim encontrar a paz discutindo entre si.
A preocupação dela não é que as palavras façam sentidos, que expressem coisas belas e compreensíveis. Ela apenas escreve, para si mesma, como um desabafo morto que jazerá eternamente no precipício de seu auto-conhecimento incompleto.
Ela só quer cantar sua canção muda, iluminada pelo sol que ela não tolera, soltar seus tigres e leões no quintal, enquanto as pessoas imaginárias na sala de estar são ocupadas demais para perceber qualquer diferença.
Tem vontade de plantar folhas de sonho, de fazer um brilhoso punhal de puro aço, para matar o seu amor de uma vez por todas. E enquanto isso, as pessoas se ocupam apenas de nascer e morrer, como tudo sempre foi, certo e incerto, seguindo o rumo corriqueiro de uma vida miserável de tapolhos.
Não quer que faça qualquer sentido, ela apenas o quer, do seu jeito bem incomum. Só com isso ela se satisfaz, com o encontro de todos os seus pensamentos mais ilógicos.
"Toma um fósforo, acende teu cigarro. Não, obrigada, eu tenho isqueiro." E assim zomba de uma dos poemas que mais gosta. É o jeito dela de demonstrar carinho e importância. Uma meiguice seguida de uma hostilidade. Uma boa verdade dita por alguém.

Já é tarde, é hora de acordá-lo, fala calada.
Ele ainda dorme, um bom amigo, na minha cama.


E eu, ainda fumo.
Ainda penso.
Ainda sofro.
Ainda choro através dessas palavras, minhas lágrimas que jamais rolaram.

Um comentário:

Anônimo disse...

é né, e eu aqui com medo!