sábado, abril 17, 2010

E o quê é real ?




[ deturpação do eu ]


Vivemos vidas que não são nossas.
Participamos de coisas que não gostamos realmente.
Somo personagens, simulações de "eus" que nem sequer existem.
Porquê? Pra quê?
Qual a real intenção de provar ao mundo tudo aquilo que não somos ?
Tentamos de todas as formas no camuflar nos heróis e vilões que criamos.
Escondemos fraquezas, disfarçamos sentimentos, não vivemos.
Somos capas. Somos apenas máscaras.
E do que adianta ?
Se sempre ao final de cada noite, nos deparamos com mais uma farsa ?
Mais uma armadura quebradiça do dia, que se parte perante o espelho.
Quando chegamos, é que nos deparamos com uma fragilidade sem tamanho.
Ocultamos, mentimos, simulamos, disfarçamos.
Pra de nada adiantar.
Pra mais uma noite, nos sentirmos sós, e completamentes cheios.
Cheios de vaidades infundadas, que em nada são capazes de suprir nossas vontades.
Vazios, ocos.
Preenchidos apenas das nossas mentiras arranjadas, de nossas ilusões plantadas.
Vivemos uma felicidade irreal, que a muito o mundo agrada.
Fazemos médias e conveniências desnecessárias, que apenas aos outros felicitam.
Quando não depreciam, quando não magoam.
Estar por cima, fingir o inatingível.
Ah, eis o papel principal, o fundamento de toda a trama.
Camuflamos nossas fraquezas e dores com os mais belos sorrisos.
Proferimos as mais vis palavras de sarcasmo e ironia, no único intento de nos sentirmos menos mal.
E dia após dia seguimos nessa normalidade fingida, fria.
Obrigando-nos a externar uma força inexiste, querendo nunca admitir que se sofre.
Sim, oh, como eu sofro.
Dolorida e melancolicamente.
Amaldiçoou o tempo que passa rápido e que é incapaz de voltar.
Tantos erros tolos, palavras infundadas.
O preço da infelicidade galgado na própria vivência errônea que julgamos correta.
Nos desviamos de tudo, engamos o sofrer.
Pelo menos tentamos de todas as milhares de formas.
Sempre em vão.
Álcool, festas, pessoas, drogas utópicas.
Momentos de felicidade simulada que nem nós mesmos de fato acreditamos.
E o que sobra pra nós ? Apenas pra nós, quando ninguém é capaz de ouvir pensamentos ou julgar expressões ?
Nada.
O vazio, o silêncio, o desesperador silêncio que só indica o quanto vivemos errado.
O quanto deixamos as farsas tomarem controle total e absoluto de nossos atos.
Nos desviamos como podemos.
Procuramos de um tudo que possa alcançar nosso ego, inflá-lo de modo a tentar esquecer o que nos incomoda.
Invejamos a boa sorte de uns, a felicidade de alguns casais que se dizem apaixonados.
Só vivemos boas mentiras sociais, que nos fazem parecer pessoas sem igual, ótimas e sem qualquer problema.
Ah, a querida e boa sorte, amiga de poucos que não a valorizam, e tão ácida inimiga daqueles que a desejam de forma desesperada.
A doença e alguma porcentagem etílica podem distorcer as várias palavras até sem sentido, mas jamais hão de ofuscar a dor que esse coração sente, e que já não suporta.
Dor de fontes imensuráveis, que jorram como cachoeiras de agonia, que não têm onde desaguar.
Como uma grande represa de amarguras, se acumulam e lá ficam.
Até o dia da grande enchente, do majestoso rompimento de suplícios.

E em um noite onde tudo que se queria acontece, não há pleno regozijo.
Há culpa, há desconfiança, há algo errado.
Não era assim que deveria ser.
E mais uma miléssima vez, eis que ela surge, imponente e espectral.
A insalubre culpa, que martela e enfraquece.
Não sabemos o que fazemos, ou até saibamos em excesso.
E isso que nos consome, que nos mata e dilacera a cada anoitecer, a cada dia que finda.
Tudo que queria era poder livrar-me dessas lágrimas e paixões que de nada adiantam.
Nunca, nunca adiantam.
Tudo que amei, amei só .. jamais como os outros.
Vivi ilusões que só me levaram a mais sofrimento.
Pecados sem o menor perdão. Sem esperanças vãs que sempre dão em nada.
O mistério da morte ronda, nos faz pensar em menos torpores.
Se a vida fosse mais fácil de separar do amor, nada disso aconteceria dessa forma tão avassaladora.
A vida desanda a partir do ponto onde não se divide mais uma coisa da outra.

Passamos a vida nos misturando a tudo que não somos, mas que queríamos poder um dia ser.
E fazemos isso com tal perícia, que quase esquecemos do que realmente somos.
Apenas palhaços banais do circo das nossas vidas.
Arrancando risos, admirações, reprovações. Sem nada daquilo ser.
Rimos quando sofremos, somos tempestade quando verdadeiramente calmaria.
Somos imensa fábrica de sonhos inalcansáveis e falhos.
Mas e no fim das contas, a quem realmente queremos enganar ?